sábado, 28 de janeiro de 2012

Mudar o Mundo

Bayazid, um grande mestre do sufismo, conta-nos o seguinte de si mesmo:

Na juventude, eu era um revolucionário e assim rezava: “Dai-me energia, ó Deus, para mudar o mundo!”

Ao chegar à meia-idade, notei que metade da vida já passara sem que eu tivesse mudado homem algum. Então, mudei minha oração, dizendo a Deus: “Dai-me a graça, Senhor, de transformar os que vivem comigo dia a dia, como minha família e meus amigos; com isso já ficarei satisfeito.”

Agora que sou velho e tenho os dias contados, percebo bem quanto fui tolo assim rezando. Minha oração, agora, é apenas esta: “Dai-me a graça, Senhor, de mudar a mim mesmo.” Se eu tivesse rezado assim, desde o princípio, não teria esbanjado a minha vida.

Comentário:

Há uma sutileza aqui que merece uma reflexão. Passar adiante uma idéia nova, um conhecimento novo, uma nova maneira de ser no mundo é saudável. Seríamos egoístas se guardássemos somente para nós as nossas descobertas. No entanto, esse "passar adiante" deveria ser algo fluido e natural, nunca com o peso da intenção de mudar alguém. Mesmo porque ninguém muda ninguém. As mudanças ocorrem dentro de cada um, no momento certo, num processo muito íntimo do "eu com o eu", de acordo com o amadurecimento de cada um.
A ansiedade de mudar o outro ou mudar o mundo é típica do buscador espiritual principiante. 

A teoria dos campos mórficos, do biólogo Rupert Sheldrake, mostra como conteúdos mentais se transmitem imperceptivelmente, de ser a ser, sem que uma só palavra precise ser pronunciada. Há uma história que exemplifica bem esta teoria:

Havia um arquipélago no Pacífico cuja população era de macacos, que se alimentavam de batatas. Um belo dia, um dos macacos decidiu lavar a batata antes de comer. Isto melhorou o sabor do alimento. Ato contínuo, os outros começaram a imitá-lo. Depois que o centésimo macaco lavou a sua batata, todos os macacos das outras ilhas (sem nenhum contato) também começaram a lavar suas batatas antes de comer.
Rupert Sheldrake ensina que os campos mórficos ou morfogenéticos são estruturas invisíveis que se estendem no espaço-tempo, determinando a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo da matéria. Nesse pensamento, toda vez que um ser de determinada espécie aprende um comportamento novo e o repete um determinado número de vezes, o campo é alterado e influencia toda a espécie, mesmo sem o contato convencional.

"A ressonância mórfica tende a reforçar qualquer padrão repetitivo, seja ele bom ou mau. Por isso, cada um de nós é mais responsável do que imagina. Pois nossas ações podem influenciar os outros e serem repetidas", diz Sheldrake.

Assim, uma pessoa que sai de um padrão comum de ser, de se relacionar com o mundo e com as coisas do mundo, e incorpora um novo padrão numa escala vibratória mais afinada com a energia cósmica universal, não precisa sair sacudindo outras pessoas para mudarem também. Ela já se torna, automaticamente, uma emissora natural de uma nova informação, de um novo padrão. E, caso decida falar e propagar a "boa nova", fará isto sem qualquer traço de ansiedade.

Dervixe
É uma das características do ego querer mudar o outro. Enquanto o ego se compromete com essa tarefa, deixa de fazer o essencial que é olhar para si mesmo. Mergulhar em si mesmo é a última coisa que faz, porque o ego é fixado na superfície e nas aparências, não na profundidade. Daí ser mais fácil olhar para o outro, julgar o outro e querer mudar o outro. E então, como disse o grande mestre sufi, desperdiça-se o tempo, joga-se fora toda uma vida.

Quer ver mudança no mundo? Mude a si mesmo. 

O Julgamento

Havia numa aldeia um velho muito pobre, mas até reis o invejavam, pois ele tinha um lindo cavalo branco... Reis ofereciam quantias fabulosas pelo cavalo, mas o homem dizia: “Este cavalo não é um cavalo para mim, é uma pessoa. E como se pode vender uma pessoa, um amigo?”. O homem era pobre, mas jamais vendeu o cavalo.
Numa manhã, descobriu que o cavalo não estava na cocheira. A aldeia inteira se reuniu, e disseram: “Seu velho estúpido! Sabíamos que um dia o cavalo seria roubado. Teria sido melhor vendê-lo. Que desgraça!”
O velho disse: “Não cheguem a tanto. Simplesmente digam que o cavalo não está na cocheira. Este é o fato, o resto é julgamento. Se se trata de uma desgraça ou de uma bênção, não sei, porque este é apenas um julgamento. Quem pode saber o que vai se seguir?”.

As pessoas riram do velho. Elas sempre souberam que ele era um pouco louco. Mas, quinze dias depois, de repente, numa noite, o cavalo voltou. Ele não havia sido roubado, havia fugido para a floresta. E não apenas isso, ele trouxera uma dúzia de cavalos selvagens consigo. Novamente, as pessoas se reuniram e exclamaram: “Velho, você estava certo. Não se trata de uma desgraça, na verdade provou ser uma bênção”.
O velho respondeu: “Vocês estão se adiantando mais uma vez. Apenas digam que o cavalo está de volta... quem sabe se é uma bênção ou não? Este é apenas um fragmento. Você lê uma única palavra de uma sentença – como pode julgar todo o livro?”.
Desta vez, as pessoas não podiam dizer muito, mas interiormente achavam que ele estava errado. Doze lindos cavalos tinham vindo...

O velho tinha um único filho, que começou a treinar os cavalos selvagens. Apenas uma semana mais tarde, ele caiu de um cavalo e fraturou as pernas.

As pessoas se reuniram e, mais uma vez, julgaram. Elas disseram: “Você tinha razão novamente. Foi uma desgraça. Seu único filho perdeu o uso das pernas, e na sua velhice ele era seu único amparo. Agora você está mais pobre do que nunca”.

O velho retrucou: “Vocês estão obcecados por julgamento. Não se adiantem tanto. Digam apenas que meu filho fraturou as pernas. Ninguém sabe se isso é uma desgraça ou uma bênção. A vida vem em fragmentos, mais que isso nunca é dado”.

Aconteceu que, depois de algumas semanas, o país entrou em guerra, e todos os jovens da aldeia foram forçados a se alistar. Somente o filho do velho foi deixado para trás, porque era aleijado. A cidade inteira estava chorando, lamentando-se porque aquela era uma luta perdida e sabiam que a maior parte dos jovens jamais voltaria. Elas vieram até o velho e disseram:
“Você tinha razão, velho – aquilo se revelou uma bênção. Seu filho pode estar aleijado, mas ainda está com você. Nossos filhos foram-se para sempre”.
O velho respondeu:
“Vocês continuam julgando. Ninguém sabe! Digam apenas que seus filhos foram forçados a entrar para o exército e que meu filho não foi. Mas somente Deus, a Totalidade, sabe se isso é uma bênção ou uma desgraça”.

Por isso, minha amiga, meu amigo: não julgue! Não julgue porque, assim, você jamais se tornará uno com a totalidade. Você ficará obcecado com fragmentos, pulará para as conclusões a partir de coisas pequenas. Quando você julga você deixa de crescer. Julgamento significa um estado mental estagnado. E a mente deseja julgar, e julgar, e julgar, porque estar dentro de um processo, vivendo um processo, é sempre arriscado e desconfortável.

Na verdade, a jornada nunca chega ao fim. Um caminho termina e outro começa. Uma porta se fecha, outra se abre. Você atinge um pico, sempre existirá um pico mais alto.

Aqueles que não julgam estão satisfeitos simplesmente em viver o momento presente e de nele crescer... somente eles são capazes de caminhar na Totalidade.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Rocha


"O aluno perguntou ao Mestre :
- Como faço para me tornar o maior dos guerreiros ?
- Vá atrás daquelas colina e insulte a rocha que se encontra no meio da planície.
- Mas para que, se ela não vai me responder?
- Então golpeie-a com a tua espada.
- Mas minha espada se quebrará !
- Então agrida-a com tuas próprias mãos.
- Assim eu vou machucar minhas mãos ... E também não foi isso que eu perguntei. O que eu queria saber era como que eu faço para me tornar o maior dos guerreiros.
- O maior dos guerreiros e aquele que é como a rocha, não liga para insultos nem provocações, mas está sempre pronto para desvencilhar qualquer ataque do inimigo."

Comentário:

O buscador espiritual deve ter em mente que quem se importa com insultos e provocações é o ego, não o Eu Superior, ou o Ser.  O Ser vive na equanimidade, ele simplesmente é, independentemente de julgamentos externos. O ego é inseguro e teme as provocações. Quando o buscador desloca o foco de atenção da superfície para a profundidade, nada o afeta. É quando ele conhece a verdadeira paz.