domingo, 24 de junho de 2012

Deixar Fluir


Certa vez vivia um povo no leito de um grande rio cristalino. A correnteza deslizava silenciosamente sobre todos eles, jovens e velhos, ricos e pobres, bons e maus.
E a correnteza seguia seu caminho, alheia a tudo que não fosse sua própria essência de cristal.
Todas aquelas criaturas se agarravam como podiam aos ramos e às pedras do leito do rio, porque sua vida consistia em se agarrar e porque todas elas, desde o berço, tinham aprendido a resistir à correnteza.
Mas por fim uma das criaturas disse: “Estou farta de me agarrar. Mesmo que meus olhos não vejam o que há pela frente, confio que a correnteza saiba para onde vai. Vou me soltar e deixar que ela me leve para onde quiser. Se eu continuar aqui, imobilizada, morrerei de tédio!”
As outras criaturas riram e exclamaram: “Tola! Se você se soltar, essa correnteza que você venera a lançará, aos trambolhões e feita em pedaços, contra as pedras. Ela a matará mais depressa que o tédio”.
Mas ela não lhes deu ouvidos. Inspirou profundamente e se soltou. A correnteza lançou-a com violência contra as pedras, mas a criatura, embora machucada, estava decidida a não se agarrar novamente.
E então a correnteza a trouxe à tona e ela não mais sofreu nem se lastimou.
As criaturas que viviam rio abaixo e não a conheciam, exclamaram: “Vejam, um milagre! Uma criatura igual a nós, e no entanto voa nas águas! Olhem, é o Messias que veio nos salvar!”
E a que tinha sido arrastada pela correnteza respondeu: “Não sou mais Messias do que vocês. O rio gosta de nos fazer voar, com a condição de que ousemos nos soltar. Nossa verdadeira missão na vida é esta viagem, esta aventura!”.
As outras continuaram gritando, cada vez mais alto: “O Salvador! O Salvador!”, mas ainda agarradas às pedras. E quando levantaram os olhos, ela tinha desaparecido. Ficaram sozinhas, criando lendas sobre um Salvador.

(Ilusões – As Aventuras de um Messias Indeciso, Richard Bach)


terça-feira, 19 de junho de 2012

A Serpente e o Vagalume



Conta-se que uma serpente, ao ver um vagalume passar brilhando, começou a persegui-lo. O vagalume escapava, mas ela não desistia, e isto foi assim por dois dias seguidos. No terceiro dia, já exausto, o vagalume parou e perguntou à cobra:

- Espera. Antes de me devorar eu posso te fazer três perguntas?
- Sim. 
- Pertenço à tua cadeia alimentar?
- Não.
- Eu te fiz algum mal?
- Não.
- Então, por que queres acabar comigo?
A serpente respondeu:
- Porque não suporto te ver brilhar...

Este conto, bem antigo e difundido, é mais profundo do que se pensa. O curioso é que ele figura em inúmeros sites e blogs, e em quase todos, no final, há uma advertência para ficarmos em alerta e escolhermos bem nossas amizades (para não sermos vítimas de alguma serpente). E não vi em nenhum deles o conselho de procurar a serpente dentro de nós mesmos...
Fugir do veneno alheio é infinitamente mais fácil do que identificar o próprio veneno...
Ver em si mesmo a cobra e cortar sua cabeça é o verdadeiro trabalho. Trabalho do qual fugimos, porque nos julgamos santos e estiramos o dedo para o veneno do outro. Quanto mais fazemos isto, mais nos distanciamos da nossa essência e da nossa luz.
Pense nisso! E brilhe muito!

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Buscar Apenas a Luz

O discípulo se aproximou do mestre:
- Durante anos busquei a iluminação - disse. - Sinto que estou perto. Quero saber qual o próximo passo.
- E como você se sustenta? - perguntou o mestre.
- Ainda não aprendi a me sustentar; meu pai e minha mãe me ajudam. Entretanto, isto são apenas detalhes.
- O próximo passo é olhar o sol por meio minuto - disse o mestre.
O discípulo obedeceu. Quando acabou, o mestre pediu que descrevesse o campo à sua volta.
- Não consigo vê-lo, o brilho do sol ofuscou meus olhos - respondeu o discípulo.
- Um homem que apenas busca a Luz, e deixa suas responsabilidades para os outros, termina sem encontrar a iluminação. Um homem que mantém os olhos fixos no sol, termina cego - comentou o mestre.


(Maktub, Paulo Coelho)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A Lei é Uma Só

Inconformada por ter perdido seu filho, uma mulher corria pelas ruas desesperada, implorando às pessoas um remédio mágico que restituísse a vida dele.
Apiedando-se dela, alguém lhe sugeriu que subisse a montanha e pedisse ajuda ao homem sábio que lá estava. Este homem era Buda.
Imediatamente ela subiu a montanha e, chegando à presença de Buda, implorou a vida de seu filho.
Buda apenas olhou-a calmamente e depois respondeu:
“Vá até a cidade e traz-me um grão de mostarda de uma casa onde não tenha morrido ninguém.”
A mulher obedeceu. Desceu a montanha e percorreu as casas da cidade. Não encontrou uma única casa onde ninguém tivesse morrido.
Então, mais reconfortada, voltou até Buda e ouviu dele a verdade:

"No mundo do homem e no mundo dos deuses, a lei é uma só: todas as coisas são passageiras."
(Parábola Hindu)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Convencer os Outros


Há um conto curtinho, mas muito profundo sobre essa questão de tentar convencer os outros. É um conto oportuno, porque sempre estamos querendo convencer alguém de alguma coisa. Vivemos hoje a era da comunicação e da propaganda. O excesso dessa propaganda ao nosso redor nos contagia. 
Obviamente, todos temos coisas boas a partilhar. A partilha, no entanto, é diferente de tentar convencer o outro a alguma coisa. A partilha é suave, como um semear. O ato de semear precisa ser contínuo. Contínuo e tranquilo, sem ansiedade. Semear sem se importar se a semente vai frutificar ou não... Semear sem se incomodar se o ouvem ou não...
Tentar convencer o outro, em muitos casos, faz transparecer apenas nossa própria insegurança. 
Que importante que é pregarmos para nós mesmos! Este conto que o diga:

Um profeta chegou certa vez a uma cidade para converter seus habitantes. A princípio, as pessoas ficaram entusiasmadas com o que ouviam. Mas - pouco a pouco - a rotina da vida espiritual era tão difícil que homens e mulheres foram se afastando, até que não ficou uma só alma para ouvi-lo.
Um viajante, ao passar e ver o profeta pregando sozinho, perguntou:
- Por que continuas exaltando as virtudes e condenando os vícios? Não vês que ninguém aqui te escuta?
E o Profeta respondeu:
- No começo, eu esperava transformar as pessoas. Se ainda hoje continuo pregando, é apenas para impedir que as pessoas me transformem.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Os Cegos e o Elefante


Numa época que se perdeu no tempo, havia uma pequena cidade onde todos os que ali viviam eram cegos. Certo dia surgiu um rei com seu séquito. Trazia seu exército e acampou fora da cidade, no deserto. Viera com eles um elefante de grande porte, usado pelo rei para atacar e para intensificar o temor do povo.
As pessoas do lugar estavam ansiosas para ver o elefante, e alguns cegos se precipitaram como loucos procurando encontrá-lo. Assim que o acharam, começaram a tateá-lo. Cada um pensou saber algo sobre o animal, porquanto podia tocar uma parte dele.
Quando retornaram para junto de seus companheiros, estes logo formaram grupinhos a seu redor, ávidos de esclarecimentos. Todos queriam conhecer a verdade dos lábios daqueles que tocaram o elefante. Perguntaram sobre a forma e aspecto do animal, escutando com interesse tudo o que lhes era dito.
O homem a quem coubera tocar a orelha do elefante foi indagado sobre a natureza particular do animal. E ele informou:
– É uma coisa grande, rugosa, larga e grossa como um tapete felpudo.
Aquele que apalpara a tromba disse:
– Eu conheço a realidade dos fatos, trata-se de um tubo reto e oco, horrível e destruidor.
Um outro, que tocara as patas do animal, declarou:
– É algo poderoso e firme como uma pilastra.

Cada um tinha conhecido e tocado apenas uma parte das muitas do animal. E cada um o percebera erroneamente. Ninguém conhecia o todo, já que o conhecimento não faz companhia aos cegos. Todos tinham imaginado algo, mas algo equivocado.
A criatura humana não está informada acerca da divindade. Para tal ciência o intelecto comum não oferece nenhum caminho.
Somos todos cegos quanto a perceber a totalidade das coisas. Vemos tudo em segmentos e, por estes segmentos, nos julgamos conhecedores do todo.