terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Sinfonia Interna


Jade acordou repentinamente, no meio da noite, inquieta. Olhou pela janela e viu que as estrelas brilhavam no céu e refletiam-se na água do rio. No ar havia uma música que não parecia terrena... essa música penetrava o coração e enlevava a alma.
Instintivamente, saiu correndo do seu palácio, à procura da origem da música celestial. 
O som levou-a à margem do rio. Lá, ela encontrou um velho barqueiro a dormir e pediu:
- Por favor, ajude-me a cruzar o rio.
- Mas a esta hora da noite? Não é conveniente colocar o bote na água...
Mas Jade implorou e implorou, até que o barqueiro perguntou:
- E o que eu receberia em troca desse serviço?
Rapidamente, Jade retirou do pescoço um valioso colar e entregou-o ao homem. Ele contemplou o belo colar com indiferença e argumentou:
- O que eu poderia fazer com este colar? Sou pobre... Se minha esposa usá-lo, os vizinhos terão inveja ou pensarão que foi roubado... Acho que não quero o seu colar.
Desesperada para ir ao encontro da melodia que parecia aproximar-se, Jade prometeu mais riquezas ao barqueiro, até o seu próprio palácio, mas o homem respondeu que não teria como manter um palácio...
A música estava cada vez mais próxima, e Jade não tinha outro desejo senão encontrá-la. Nada mais importava para ela, que parecia hipnotizada até que, dando vazão ao anseio da sua alma, ela entrou em êxtase e começou a dançar. Seus pés mal tocavam a relva... sentia-se flutuando, esquecida de si mesma, do barqueiro, e de tudo o mais ao redor. A melodia era algo divino... e começou a brotar dos seus lábios... Ela mesma era a fonte da música. As notas encantadas que vinham do outro lado do rio eram simplesmente o eco de si mesma.
E o barqueiro, que na verdade era um sábio mestre, disse:

"Não adianta procurar fora aquilo que está dentro. Só entraremos em união com nossa música interna quando todos os desejos mundanos desaparecerem e só restar o desejo intenso de encontrar a alma, a origem da eterna melodia."

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Cegos Para a Amplidão


"O alcance do que pensamos e fazemos
é limitado pelo que deixamos de notar.
E por deixarmos de notar 
que deixamos de notar
pouco podemos fazer para mudar,
até que notemos
como o deixar de notar
forma nossos pensamentos e ações."

(R. D. Laing)


‎Um grupo de discípulos perguntou, certa vez, ao seu mestre Zen: 

- De onde vem o lado negativo da nossa mente?

O professor se retirou um momento e depois voltou com um grande lenço branco onde se via, no centro, um pequeno ponto preto.

- O que vocês vêem neste quadro? - perguntou o professor.

Os discípulos responderam: 

- Um pequeno ponto preto.

O mestre explicou: 

- Essa é a origem da mente negativa. Nenhum de vocês vê a imensidão que os rodeia.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

O Segredo da Felicidade


O aspirante perguntou ao mestre:

- Ensina-me, Mestre, por favor, o segredo da felicidade.

O sábio mestre respondeu:

- São sete as chaves que vou lhe ensinar: a primeira coisa que você deve fazer é amar-se e respeitar-se e dizer a si mesmo todos os dias que você pode vencer todos os obstáculos que se apresentarem na sua vida - isto se chama autoestima; a segunda chave é pôr em prática o que você diz e o que pensa - isto se chama ser verdadeiro consigo mesmo; a terceira é jamais invejar alguém pelo que ele tem ou é - eles já alcançaram as suas metas, agora alcance as suas; a quarta é jamais guardar rancor de ninguém no seu coração; a quinta é não se apoderar do que não é seu; a sexta é jamais maltratar alguém - todos os seres têm o direito de ser respeitados e queridos. E a última coisa que você deve fazer é acordar todos os dias com um sorriso e descobrir em todas as pessoas e em todas as coisas o seu lado positivo. Pense na sorte que você tem. Ajude a todos sem pensar no que poderá obter em troca e passe adiante o segredo da felicidade.

(Contos da Índia)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Amantes da Música


Num antigo país do oriente, havia um rei que era amante da música e costumava oferecer grandes saraus na sua corte, quando dava oportunidade aos músicos do reino de se apresentar e ganhar notoriedade. Um desses músicos, no entanto, sempre recusava o convite do rei. E era considerado o melhor músico das redondezas! Daí, o rei foi pessoalmente convidá-lo para tocar em seu palácio. E recebeu do artista a estranha resposta: 

- Aceito o convite de Vossa Majestade com uma condição: que seja avisado a todos que ninguém poderá mover a cabeça enquanto eu estiver tocando e cantando. Caso alguém o faça, deverá ser decapitado.

O soberano aceitou e enviou os convites, com a ressalva:

- Lembrem-se que é um jogo perigoso. Meus soldados estarão atrás de cada convidado, empunhando espadas, prontos para decapitar o primeiro que mexer a cabeça.

Dentre os dez mil apreciadores da música e frequentadores da corte, o rei conseguiu que cinquenta comparecessem. Todos tinham consciência do enorme risco... Podia-se mexer a cabeça por causa de um mosquito ou esquecer-se do aviso, pois o músico era muito especial... 

O músico começou o recital. Era um virtuose. Sua música era simplesmente arrebatadora e bastaram quinze minutos de apresentação para que as pessoas se esquecessem do perigo... assim, algumas cabeças começaram a se mexer. Outras foram se juntando a elas e de repente, todas as cabeças se mexiam. O monarca ficou preocupado, porque havia prometido cortar a cabeça de quem se mexesse...

Finalmente, concluído o primeiro número, o rei perguntou:

- Mando cortar as cabeças? Como rei, não posso falhar com a minha palavra!

O músico deu uma grande gargalhada e respondeu:

- Eu impus essa condição porque queria atrair apenas os verdadeiros amantes da música. Por favor, peça a seus soldados que se retirem. Agora que todas as cabeças se mexeram, continuarei a tocar. Este é o público que esperei durante toda a minha vida. Estas são as pessoas que se esqueceram de si mesmas; que se esqueceram inclusive do risco que corriam.

Este deveria ser o propósito da verdadeira arte: arrebatar a nossa mente até o abandono de si mesma. É quando sentimos a força do eterno presente. 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O Monge e a Prostituta

Vivia um monge nas proximidades do templo de Shiva. Na casa em frente, morava uma prostituta. Observando a quantidade de homens que a visitavam, o monge resolveu chamá-la.
- Você é uma grande pecadora. - repreendeu-a. - Desrespeita a Deus todos os dias e todas as noites. Será que você não consegue parar e refletir sobre a sua vida depois da morte?

A pobre mulher ficou muito abalada com as palavras do monge; com sincero arrependimento orou a Deus, implorando perdão. Pediu também que o Todo-Poderoso a fizesse encontrar uma nova maneira de ganhar o seu sustento. Mas não encontrou nenhum trabalho diferente. E, após uma semana passando fome, voltou a prostituir-se. Mas, cada vez que entregava seu corpo a um estranho, rezava e pedia perdão.

O monge, irritado porque seu conselho não produzira nenhum efeito, pensou consigo mesmo: "A partir de agora vou contar quantos homens entram naquela casa até o dia da morte desta pecadora."

E desde esse dia, ele não fazia outra coisa a não ser vigiar a rotina da prostituta: a cada homem que entrava, colocava uma pedra num monte. Passado algum tempo, o monge tornou a chamar a prostituta e lhe disse:

- Vê este monte? Cada pedra dessas representa um dos pecados mortais que você cometeu, mesmo depois de minhas advertências. Agora torno a dizer: cuidado com as más ações!

A mulher começou a tremer, percebendo como se avolumavam seus pecados. Voltando para casa, derramou lágrimas de sincero arrependimento, orando:

- Oh, senhor! Quando vossa misericórdia irá me livrar desta miserável vida que levo?

Sua prece foi ouvida. Naquele mesmo dia, o anjo da morte passou por sua casa e a levou. Por vontade de Deus, o anjo atravessou a rua e também carregou o monge consigo. A alma da prostituta subiu imediatamente ao céu, enquanto os demônios levaram o monge ao inferno. Ao cruzarem no meio do caminho, o monge viu o que estava acontecendo, e clamou:

- Oh, senhor! Essa é a tua justiça? Eu, que passei a minha vida em devoção e pobreza, agora sou levado ao inferno, enquanto essa prostituta, que viveu em constante pecado, está subindo ao céu!

Ouvindo isso, um dos anjos respondeu:

- São sempre justos os desígnios de Deus. Você achava que o amor de Deus se resumia a julgar o comportamento do próximo. Enquanto você enchia seu coração com a impureza do pecado alheio, esta mulher orava fervorosamente dia e noite. A alma dela ficou tão leve depois de chorar que podemos levá-la até o paraíso. A sua alma ficou tão carregada de pedras que não conseguimos fazê-la subir até o alto.

(Paulo Coelho) 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Apenas um Reino


Um velho ermitão foi certa vez convidado para ir até a corte do rei mais poderoso daquela época.
– Eu invejo um homem santo que se contenta com tão pouco – disse o rei.
– Eu invejo Vossa Majestade, que se contenta com menos que eu – respondeu o ermitão.
– Como me diz isto, se todo este país me pertence? – disse o rei, ofendido.
– Justamente – falou o velho ermitão. – Eu tenho a música das esferas celestes, tenho os rios e as montanhas do mundo inteiro, tenho a lua e o sol, porque tenho Deus na minha alma. Vossa Majestade, porém, tem apenas este reino.

(Do livro Maktub, de Paulo Coelho)