quinta-feira, 13 de junho de 2013

A Lenda da Flor-de-Lótus

Diz a lenda oriental que, certa vez, às margens de um tranquilo lago solitário, encravado num belo bosque repleto de árvores frondosas onde passarinhos de mil cores e mil cantos faziam seus ninhos, os quatro elementos irmãos se encontraram. Eles eram o Fogo, o Ar, a Água e a Terra.

“Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva!” - exclamou o Fogo, cheio de vigor e entusiasmo, como é de sua natureza.

“É verdade... nosso destino é bem curioso: nós nos doamos tanto para construir as formas e terminamos ficando escravos da nossa obra e perdendo nossa liberdade..." – disse o Ar, pesaroso.

A Água replicou:

“Pare de se queixar, irmão Ar! Nós estamos obedecendo à Lei! Pode existir prazer maior do que servir à Criação? Por que lamentar se corres de um lado para outro, à tua vontade, assim como o irmão Fogo, que entra e sai por todo lado, servindo à vida e à morte! Eu faço o mesmo!”

E a Terra entrou no diálogo:

“Quem deveria se lamentar sou eu: estou sempre imóvel e, a despeito da minha vontade, vivo dando voltas no espaço, sem nenhum descanso!”

Ao que o Fogo respondeu:

“Por favor, acabem com essa discussão pueril! Não entristeçam a minha felicidade pelo nosso encontro! Precisamos celebrar os momentos em que nos encontramos fora da forma! Festejemos a vida, à sombra destas árvores e à margem deste lago formado pela nossa união!”

Todos o aplaudiram e se entregaram ao feliz momento. Cada um compartilhou seus feitos e suas maravilhas, o que haviam construído e destruído. Cada um deles demonstrou seu justo orgulho porque, pelo seu trabalho, a Vida pôde se manifestar através de formas sempre mais belas e mais perfeitas. E encheram-se regozijo.

Apenas uma nuvem sombria empanava uma alegria tão grande: o homem. O homem era – digamos – a pedra no sapato. Como ele era ingrato! Apesar de ter sido construído com esmero, tendo sido utilizados os mais perfeitos e puros materiais, o homem não valorizava o próprio ser e abusava dos elementos que o haviam criado, perdendo-os. Os irmãos tiveram todos o mesmo desejo, de retirar sua cooperação e privar o homem de realizar suas experiências no plano físico... Mas a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre eles.

Ao chegar o momento de se separarem, decidiram deixar algo que marcasse aquele encontro; algo que se perpetuasse no tempo; algo que pudesse combinar os fragmentos de cada um de forma harmônica, expressando sua independência e suas diferenças, para que servisse de símbolo e exemplo para o homem.

Pensaram e projetaram, até que, subitamente, vendo seu reflexo no lago, os quatro tiveram a mesma ideia:

“E se criássemos uma planta cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela?”

A Terra logo se prontificou:

“Eu colocarei nela as melhores forças de minhas entranhas e alimentarei suas raízes!”

Disse a Água:

“Eu instilarei nela as melhores linfas de meus seios, fazendo crescer a sua haste!”

O Ar imediatamente continuou:

“Eu soprarei nela as minhas melhores brisas, para tonifica-la!”

E o Fogo terminou:

“E eu doarei para ela todo o meu calor, a fim de que suas corolas se tinjam das mais formosas cores!”

Assim disseram, assim fizeram. Com muito entusiasmo e amor, os quatro irmãos deram início à fantástica criação. Como que por encanto, a forma foi sendo plasmada laboriosamente, até que as raízes, a haste, as folhas e as flores apareceram. O sol abençoou-a e a planta foi saudada como rainha pela flora do local.

Satisfeitos, os quatro elementos se separaram, deixando a Flor-de-Lótus a brilhar no lago, exibindo sua beleza imaculada e inspirando o homem como símbolo da pureza e perfeição.


E os deuses, ao chegar à Terra, escolheram o Lótus como trono.


(Conto adaptado pela autora do blog).

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Amor ou Paixão?

A luxúria, por vezes, nos prega peças. E, frequentemente, é confundida com amor.

Diz a tradição zen-budista que, no passado, havia uma monja muito bonita, chamada Eshun. Um jovem monge apaixonou-se perdidamente por ela. Com receio de ser rejeitado, decidiu escrever-lhe uma carta, declarando a Eshun seus sentimentos e pedindo para encontrá-la às escondidas.

A monja aguardou o momento certo para responder. No dia seguinte, aguardou o Mestre terminar a prática do dia e então dirigiu-se ao monge, em voz alta, diante de todos:

“Tu me enviaste uma carta declarando teu amor por mim e propondo-me um encontro. Entretanto, o Amor não é algo para ser realizado às escondidas, pois ele é pleno e sincero. Se realmente me amas e não só me desejas, abraça-me em frente a todos. O que há para esconder?”

Com vergonha, o jovem monge abaixou a cabeça e caiu em si. Na verdade, o que sentia não passava de luxúria…

domingo, 9 de junho de 2013

Verdadeira Amizade

Conta esta lenda judaica que dois amigos cultivavam e dividiam o mesmo campo de trigo, trabalhando arduamente a terra com amor e dedicação, numa luta estafante, às vezes inglória, à espera de um resultado compensador.

Anos a fio lidaram com a terra, obtendo pouco ou nenhum retorno, até que um dia, finalmente, a natureza respondeu e regalou-os com uma grande safra, perfeita, magnífica, satisfazendo os dois agricultores que a repartiram igualmente, eufóricos. 

Trabalharam na colheita o dia inteiro e depois cada um seguiu o seu rumo.

À noite, já no leito, cansado da brava lida daqueles últimos dias, um deles pensou: "Eu sou casado, tenho filhos fortes e bons, uma companheira fiel e cúmplice. Eles me ajudarão no fim da minha vida. O meu amigo é sozinho, não se casou, nunca terá um braço forte a apoiá-lo. Com certeza, vai precisar muito mais do dinheiro da colheita do que eu".

Levantou-se silencioso para não acordar ninguém, colocou metade dos sacos de trigo recolhidos na carroça e saiu.

Ao mesmo tempo, em sua casa, o outro não conciliava o sono, pensando: "Para que preciso de tanto dinheiro se não tenho ninguém para sustentar, já estou idoso para ter filhos e não penso mais em me casar? As minhas necessidades são muito menores do que as do meu sócio, com uma família numerosa para manter".

Não teve dúvidas: pulou da cama, encheu a sua carroça com a metade do produto da boa terra e saiu pela madrugada fria, dirigindo-se à casa do outro. O entusiasmo era tanto que não dava para esperar o amanhecer.

Na estrada escura e nebulosa daquela noite de inverno, os dois amigos encontraram-se frente a frente. Olharam-se espantados. Mas não foram necessárias as palavras para que entendessem a mútua intenção.

Amigo é aquele que no seu silêncio escuta o silêncio do outro.

(Lenda Judaica)