domingo, 30 de março de 2014

Diógenes e as Lentilhas

Estava o filósofo Diógenes comendo lentilhas quando viu o filósofo Aristipo, que vivia, confortavelmente, com base em lisonjear o rei.

E Aristipo disse-lhe:

“Se aprendesses a ser submisso ao rei, não terias que comer esse lixo de lentilhas".

Ao que Diógenes replicou:


“Se tivesses aprendido a comer lentilhas, não terias que bajular o rei".

(Autor: Anthony de Mello, filósofo indiano, psioterapeuta e padre jesuíta, conhecido por mesclar a doutrina judaico-cristã ao budismo)

Nossos Inimigos

Um ex-presidiário de um campo de concentração nazista foi visitar um amigo que havia compartilhado com ele tão penosa experiência.

”Já esqueceste os nazis?” – perguntou ao seu amigo.
“Sim”, disse ele.
“Pois eu não. Ainda continuo a odiá-los com toda a minha alma.”

Seu amigo disse-lhe calmamente:

“Então… ainda te manténs prisioneiro!”.

(Autor: Anthony de Mello, filósofo indiano, psioterapeuta e padre jesuíta, conhecido por mesclar a doutrina judaico-cristã ao budismo).

sábado, 8 de março de 2014

A Lei do Carma

Há cerca de oitocentos anos, havia um príncipe que tinha duas mulheres.

Amava as duas, mas elas não se entendiam e viviam às turras. As queixas constantes de ambas, suas cóleras, seu espírito mesquinho e invejoso, envenenavam a vida do príncipe.

Um dia, cansado de tudo, decidiu romper com suas ilusões e procurar as raízes do próprio ser, abandonando as mulheres, o rico palácio e todas as propriedades que possuía, para levar a existência simples de monge.

A primeira esposa seguiu lhe o exemplo e recolheu-se a um mosteiro feminino. A segunda, que estava grávida, deu à luz, após a partida do marido, a uma belíssima criança, filho dele.

Passaram os anos. Desde a mais tenra idade o filho não cessava de perguntar à mãe:

- Onde está papai? Por que não tenho pai?

E a mãe lhe explicava que ele havia desaparecido sem, contudo, satisfazê-lo. Depois de completar dezesseis anos, o desejo de encontrar o pai se tornou de tal ordem que ele resolveu partir à sua procura. Diante de tamanha insistência, a mãe, que acabara sabendo, afinal, que o príncipe se havia recolhido a um mosteiro da montanha sagrada de Koyasan, decidiu acompanhá-lo até esse lugar. Lá chegando, ela ficou esperando numa estalagem, pois a entrada do mosteiro era vedada às mulheres, enquanto o filho seguiu à procura do pai.

Passou-se o dia, a noite caiu e o garoto adormeceu entre dois troncos de árvores. Na manhã seguinte, uma voz despertou-o:

- Que estás fazendo aqui?

Era um monge alto, de traços altivos e suaves e crânio raspado, que lhe falava.

- Estou procurando meu pai.

- Ah! Mas quem é teu pai?

- É o príncipe de Kyushu, que vive nestas montanhas. É meu pai, quero encontrá-lo!

Conturbado, o monge compreendeu que tinha diante de si o filho único, em cujos traços reconheceu os seus e os da mãe. O coração pulsava tanto que se diria a pique de arrebentar. Quis apertar entre os braços o homenzinho que o fitava com o semblante triste e obstinado. Conteve-se, porém, e não se mexeu. Naquele tempo, as regras observadas pelos monges eram muito severas: quando um leigo decidia tomar a tigela, o bastão e vestir o kesa, tinha de cortar todo e qualquer laço com a existência anterior, sob pena de quebrar os preceitos.

Disse, então, brutalmente, o monge ao menino:

- Sim, teu pai vivia aqui, mas morreu na semana passada.

Os olhos do menino encheram-se de lágrimas e ele abaixou a cabeça, retornando tristemente à estalagem. Chegando lá, ficou sabendo que a mãe falecera, durante a noite, de repentino acesso de febre. Louco de dor, regressou com a escolta à cidade, esperando ver ali sua tia querida. Mas ela também acabava de morrer, vitimada pela epidemia.

Mais solitário do que nunca, sentindo que seu universo havia desabado, veio-lhe à mente o monge que encontrara no alto da montanha, no mosteiro onde a vida fluía mansa, ritmada pela meditação e pelas cerimônias. Voltou para lá. O monge, ao vê-lo surgir no pátio do templo, perguntou:

- Que estás fazendo aqui?

- Quero ser monge. Toda a minha família morreu, a vida já não tem sentido para mim, quero ficar convosco.

O monge compreendeu, então, que não podemos escapar ao nosso destino, ao nosso carma. Podemos talvez modificá-lo, mas ele nos segue sempre, sob uma forma ou outra.

E, assim, o filho se tornou discípulo do pai.