Há cerca de oitocentos anos, havia um príncipe que tinha
duas mulheres.
Amava as duas, mas elas não se entendiam e viviam às
turras. As queixas constantes de ambas, suas cóleras, seu espírito mesquinho e
invejoso, envenenavam a vida do príncipe.
Um dia, cansado de tudo, decidiu romper com suas ilusões
e procurar as raízes do próprio ser, abandonando as mulheres, o rico palácio e
todas as propriedades que possuía, para levar a existência simples de monge.
A primeira esposa seguiu lhe o exemplo e recolheu-se a um
mosteiro feminino. A segunda, que estava grávida, deu à luz, após a partida do
marido, a uma belíssima criança, filho dele.
Passaram os anos. Desde a mais tenra idade o filho não
cessava de perguntar à mãe:
- Onde está papai? Por que não tenho pai?
E a mãe lhe explicava que ele havia desaparecido sem,
contudo, satisfazê-lo. Depois de completar dezesseis anos, o desejo de
encontrar o pai se tornou de tal ordem que ele resolveu partir à sua procura.
Diante de tamanha insistência, a mãe, que acabara sabendo, afinal, que o
príncipe se havia recolhido a um mosteiro da montanha sagrada de Koyasan,
decidiu acompanhá-lo até esse lugar. Lá chegando, ela ficou esperando numa
estalagem, pois a entrada do mosteiro era vedada às mulheres, enquanto o filho seguiu
à procura do pai.
Passou-se o dia, a noite caiu e o garoto adormeceu entre
dois troncos de árvores. Na manhã seguinte, uma voz despertou-o:
- Que estás fazendo aqui?
Era um monge alto, de traços altivos e suaves e crânio raspado,
que lhe falava.
- Estou procurando meu pai.
- Ah! Mas quem é teu pai?
- É o príncipe de Kyushu, que vive nestas montanhas. É
meu pai, quero encontrá-lo!
Conturbado, o monge compreendeu que tinha diante de si o
filho único, em cujos traços reconheceu os seus e os da mãe. O coração pulsava
tanto que se diria a pique de arrebentar. Quis apertar entre os braços o
homenzinho que o fitava com o semblante triste e obstinado. Conteve-se, porém,
e não se mexeu. Naquele tempo, as regras observadas pelos monges eram muito
severas: quando um leigo decidia tomar a tigela, o bastão e vestir o kesa,
tinha de cortar todo e qualquer laço com a existência anterior, sob pena de
quebrar os preceitos.
Disse, então, brutalmente, o monge ao menino:
- Sim, teu pai vivia aqui, mas morreu na semana passada.
Os olhos do menino encheram-se de lágrimas e ele abaixou
a cabeça, retornando tristemente à estalagem. Chegando lá, ficou sabendo que a
mãe falecera, durante a noite, de repentino acesso de febre. Louco de dor,
regressou com a escolta à cidade, esperando ver ali sua tia querida. Mas ela
também acabava de morrer, vitimada pela epidemia.
Mais solitário do que nunca, sentindo que seu universo
havia desabado, veio-lhe à mente o monge que encontrara no alto da montanha, no
mosteiro onde a vida fluía mansa, ritmada pela meditação e pelas cerimônias.
Voltou para lá. O monge, ao vê-lo surgir no pátio do templo, perguntou:
- Que estás fazendo aqui?
- Quero ser monge. Toda a minha família morreu, a vida já
não tem sentido para mim, quero ficar convosco.
O monge compreendeu, então, que não podemos escapar ao
nosso destino, ao nosso carma. Podemos talvez modificá-lo, mas ele nos segue
sempre, sob uma forma ou outra.
E, assim, o filho se tornou discípulo do pai.
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