quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Coruja ou Falcão?

Ao observar que uma coruja havia escolhido a janela do seu quarto para pousar, o piedoso homem começou a observá-la. Viu que ela quase não se movia e parecia decidida a se estabelecer ali. 

O homem começou a se sentir incomodado com aquela presença, que o distraía de suas orações. Decidiu enxotá-la e foi então que notou: era uma coruja velha e cega. Desistiu de enxotá-la e, logo depois, percebeu que um falcão se aproximava com insetos no bico, para alimentá-la, como se faz com filhotes.

Maravilhado, louvou o Senhor e sentiu um enorme conforto ao constatar como é imensa a providência divina, ao colocar um falcão para cuidar daquela coruja que, sozinha, morreria de fome. Pensou: "Se Deus cuida até de uma simples coruja, quanto mais de nós?"
Refletiu e tomou a decisão de desfazer-se de tudo o que tinha e colocar-se inteiramente aos cuidados de Deus. Assim fez e passou a mendigar na porta da mesma igreja que frequentava. Entretanto, era ignorado pelas pessoas, que o tinham conhecido como um comerciante próspero. Todos achavam que ele estava blefando ou havia perdido o juízo.

Muito triste, ele procurou o pároco daquela igreja, revelando-lhe a sua desolação. O padre perguntou-lhe:

– Você acha que foi Deus quem lhe pediu para viver como mendigo?
– Sim, Ele colocou a coruja no meu caminho para me mostrar que sempre cuida de quem precisa, que nada precisamos temer!

Olhando para os olhos do desolado homem com muita compaixão, o padre disse:

– Às vezes nós pensamos que Deus nos chama a ser corujas, quando Ele quer que sejamos falcões... 
Se você compreender o seu papel como falcão, Deus irá conduzi-lo precisamente ao lugar onde há uma coruja precisando de alimento.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O Samurai e o Segredo do Lago

Depois de perder uma prova importante, certo samurai, enfurecido e sem querer aceitar a derrota, parou na margem de um lago, apanhou uma pedra e lançou-a violentamente contra as águas. 

Ao notar que a superfície do lago voltou à tranquilidade em pouco tempo, embora tenha sido agitada violentamente, o samurai parou para refletir e decidiu evocar o Espírito das Águas: 

“Explica-me, ó Espírito das Águas, por que este lago em poucos instantes consegue acalmar-se da agressão sofrida, enquanto meu coração, depois de ferido, demora tanto tempo para se recompor?"

E o Espírito respondeu:

“O lago permite que a pedra se perca na sua grandeza e profundidade; assim, é como ser atingido por nada. O lago conserva em sua essência o silêncio. Jamais se queixa. Eis o segredo de sua serenidade."

Curvando-se com respeito e gratidão, o samurai declarou:

“Nunca esquecerei este grande ensinamento das águas silenciosas de um lago!"

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Fuja Para Dentro

Aconteceu que um mestre Zen dava uma palestra para um grupo de pessoas quando, de repente, houve um terremoto. Os ouvintes, apavorados, tentavam escapar, correndo e procurando a saída. Todos se moviam rápida e nervosamente, exceto o mestre. De olhos fechados, ele continuou sentado no mesmo lugar. 

Passados alguns momentos, a terra parou de tremer, o mestre abriu os olhos e continuou a palestra, retomando-a como se nada houvesse acontecido.

Absolutamente perplexo diante do comportamento imperturbável do mestre, o anfitrião perguntou:
- Gostaria de fazer uma pergunta. Nós todos tentamos fugir. O que aconteceu a você?

O mestre respondeu: 

- Eu também fugi... só que enquanto vocês fugiram para fora, eu fugi para dentro! Sua fuga é inútil porque para onde quer que você esteja indo lá também há um terremoto, então é sem sentido. Você pode alcançar o sexto andar ou quinto ou o quarto, mas lá também há um terremoto. Eu fugi para um ponto dentro de mim onde nenhum terremoto jamais pode chegar. Porque entrei no meu próprio centro.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Buda e o Deva

Diz a lenda que, certa vez, Buda estava no jardim de Anathapindika, na cidade de Jetavana, quando lhe apareceu um Deva (espírito da natureza), transfigurado em brâmane, todo vestido de branco.

Logo deram início a um importante diálogo:

Deva: - Qual é a espada mais cortante?
Buda: - A palavra raivosa é a espada mais cortante.

Deva: - Qual é o maior veneno?
Buda: - A inveja é o mais mortal veneno.

Deva: - Qual é o fogo mais ardente?
Buda: - A luxúria.

Deva: - Qual é a noite mais escura?
Buda: - A ignorância.

Deva: - Quem obtém a maior recompensa?
Buda: - Quem dá sem desejo de receber é quem mais ganha.

Deva: - Quem sofre a maior perda?
Buda: - Quem recebe de outro sem devolver nada é o que mais perde.

Deva: - Qual é a armadura mais impenetrável?
Buda: - A paciência.

Deva: - Qual é a melhor arma?
Buda: - A sabedoria.

Deva: - Qual é o ladrão mais perigoso?
Buda: - Um mau pensamento é o ladrão mais perigoso.

Deva: - Qual o tesouro mais precioso?
Buda: - A virtude.

Deva: - Quem recusa o melhor que lhe é oferecido neste mundo?
Buda: - Recusa o melhor que se lhe oferece quem aspira à imortalidade.

Deva: - O que atrai?
Buda: - O bem atrai.

Deva: - O que repugna?
Buda: - O mal repugna.

Deva: - Qual é a dor mais terrível?
Buda: - A má conduta.

Deva: - Qual é a maior felicidade?
Buda: - A libertação.

Deva: - O que ocasiona a ruína no mundo?
Buda: - A ignorância.

Deva: - O que destrói a amizade?
Buda: - A inveja e o egoísmo.

Deva: - Qual é a febre mais aguda?
Buda: - O ódio.

Deva: - Qual é o melhor médico?
Buda: - O Buda.

O Deva então fez a sua última pergunta:

- O que é que o fogo não queima, nem a ferrugem consome, nem o vento abate e é capaz de reconstruir o mundo inteiro?

Buda respondeu:

- O benefício das boas ações.

Satisfeito com as respostas, o Deva juntou as mãos, inclinou-se respeitosamente ante Buda e desapareceu.

(Baseado  no livro "Buda - Aquele que Despertou", de Martin Claret)

quinta-feira, 13 de junho de 2013

A Lenda da Flor-de-Lótus

Diz a lenda oriental que, certa vez, às margens de um tranquilo lago solitário, encravado num belo bosque repleto de árvores frondosas onde passarinhos de mil cores e mil cantos faziam seus ninhos, os quatro elementos irmãos se encontraram. Eles eram o Fogo, o Ar, a Água e a Terra.

“Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva!” - exclamou o Fogo, cheio de vigor e entusiasmo, como é de sua natureza.

“É verdade... nosso destino é bem curioso: nós nos doamos tanto para construir as formas e terminamos ficando escravos da nossa obra e perdendo nossa liberdade..." – disse o Ar, pesaroso.

A Água replicou:

“Pare de se queixar, irmão Ar! Nós estamos obedecendo à Lei! Pode existir prazer maior do que servir à Criação? Por que lamentar se corres de um lado para outro, à tua vontade, assim como o irmão Fogo, que entra e sai por todo lado, servindo à vida e à morte! Eu faço o mesmo!”

E a Terra entrou no diálogo:

“Quem deveria se lamentar sou eu: estou sempre imóvel e, a despeito da minha vontade, vivo dando voltas no espaço, sem nenhum descanso!”

Ao que o Fogo respondeu:

“Por favor, acabem com essa discussão pueril! Não entristeçam a minha felicidade pelo nosso encontro! Precisamos celebrar os momentos em que nos encontramos fora da forma! Festejemos a vida, à sombra destas árvores e à margem deste lago formado pela nossa união!”

Todos o aplaudiram e se entregaram ao feliz momento. Cada um compartilhou seus feitos e suas maravilhas, o que haviam construído e destruído. Cada um deles demonstrou seu justo orgulho porque, pelo seu trabalho, a Vida pôde se manifestar através de formas sempre mais belas e mais perfeitas. E encheram-se regozijo.

Apenas uma nuvem sombria empanava uma alegria tão grande: o homem. O homem era – digamos – a pedra no sapato. Como ele era ingrato! Apesar de ter sido construído com esmero, tendo sido utilizados os mais perfeitos e puros materiais, o homem não valorizava o próprio ser e abusava dos elementos que o haviam criado, perdendo-os. Os irmãos tiveram todos o mesmo desejo, de retirar sua cooperação e privar o homem de realizar suas experiências no plano físico... Mas a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre eles.

Ao chegar o momento de se separarem, decidiram deixar algo que marcasse aquele encontro; algo que se perpetuasse no tempo; algo que pudesse combinar os fragmentos de cada um de forma harmônica, expressando sua independência e suas diferenças, para que servisse de símbolo e exemplo para o homem.

Pensaram e projetaram, até que, subitamente, vendo seu reflexo no lago, os quatro tiveram a mesma ideia:

“E se criássemos uma planta cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela?”

A Terra logo se prontificou:

“Eu colocarei nela as melhores forças de minhas entranhas e alimentarei suas raízes!”

Disse a Água:

“Eu instilarei nela as melhores linfas de meus seios, fazendo crescer a sua haste!”

O Ar imediatamente continuou:

“Eu soprarei nela as minhas melhores brisas, para tonifica-la!”

E o Fogo terminou:

“E eu doarei para ela todo o meu calor, a fim de que suas corolas se tinjam das mais formosas cores!”

Assim disseram, assim fizeram. Com muito entusiasmo e amor, os quatro irmãos deram início à fantástica criação. Como que por encanto, a forma foi sendo plasmada laboriosamente, até que as raízes, a haste, as folhas e as flores apareceram. O sol abençoou-a e a planta foi saudada como rainha pela flora do local.

Satisfeitos, os quatro elementos se separaram, deixando a Flor-de-Lótus a brilhar no lago, exibindo sua beleza imaculada e inspirando o homem como símbolo da pureza e perfeição.


E os deuses, ao chegar à Terra, escolheram o Lótus como trono.


(Conto adaptado pela autora do blog).

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Amor ou Paixão?

A luxúria, por vezes, nos prega peças. E, frequentemente, é confundida com amor.

Diz a tradição zen-budista que, no passado, havia uma monja muito bonita, chamada Eshun. Um jovem monge apaixonou-se perdidamente por ela. Com receio de ser rejeitado, decidiu escrever-lhe uma carta, declarando a Eshun seus sentimentos e pedindo para encontrá-la às escondidas.

A monja aguardou o momento certo para responder. No dia seguinte, aguardou o Mestre terminar a prática do dia e então dirigiu-se ao monge, em voz alta, diante de todos:

“Tu me enviaste uma carta declarando teu amor por mim e propondo-me um encontro. Entretanto, o Amor não é algo para ser realizado às escondidas, pois ele é pleno e sincero. Se realmente me amas e não só me desejas, abraça-me em frente a todos. O que há para esconder?”

Com vergonha, o jovem monge abaixou a cabeça e caiu em si. Na verdade, o que sentia não passava de luxúria…

domingo, 9 de junho de 2013

Verdadeira Amizade

Conta esta lenda judaica que dois amigos cultivavam e dividiam o mesmo campo de trigo, trabalhando arduamente a terra com amor e dedicação, numa luta estafante, às vezes inglória, à espera de um resultado compensador.

Anos a fio lidaram com a terra, obtendo pouco ou nenhum retorno, até que um dia, finalmente, a natureza respondeu e regalou-os com uma grande safra, perfeita, magnífica, satisfazendo os dois agricultores que a repartiram igualmente, eufóricos. 

Trabalharam na colheita o dia inteiro e depois cada um seguiu o seu rumo.

À noite, já no leito, cansado da brava lida daqueles últimos dias, um deles pensou: "Eu sou casado, tenho filhos fortes e bons, uma companheira fiel e cúmplice. Eles me ajudarão no fim da minha vida. O meu amigo é sozinho, não se casou, nunca terá um braço forte a apoiá-lo. Com certeza, vai precisar muito mais do dinheiro da colheita do que eu".

Levantou-se silencioso para não acordar ninguém, colocou metade dos sacos de trigo recolhidos na carroça e saiu.

Ao mesmo tempo, em sua casa, o outro não conciliava o sono, pensando: "Para que preciso de tanto dinheiro se não tenho ninguém para sustentar, já estou idoso para ter filhos e não penso mais em me casar? As minhas necessidades são muito menores do que as do meu sócio, com uma família numerosa para manter".

Não teve dúvidas: pulou da cama, encheu a sua carroça com a metade do produto da boa terra e saiu pela madrugada fria, dirigindo-se à casa do outro. O entusiasmo era tanto que não dava para esperar o amanhecer.

Na estrada escura e nebulosa daquela noite de inverno, os dois amigos encontraram-se frente a frente. Olharam-se espantados. Mas não foram necessárias as palavras para que entendessem a mútua intenção.

Amigo é aquele que no seu silêncio escuta o silêncio do outro.

(Lenda Judaica)

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Por Que Palavras?

Um monge aproximou-se de seu mestre - que se encontrava em meditação no pátio do Templo à luz da lua - com uma grande dúvida:

"Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os Sutras e as recitações são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?"

O velho sábio respondeu:

"As palavras são como um dedo apontando para a lua; cuida de saber olhar para a Lua; não te preocupes com o dedo que a aponta".

O monge replicou: 

"Mas eu não poderia olhar a lua sem precisar que algum dedo alheio a indique?"

Explicou o mestre:

"Poderia, e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio".

Perguntou ainda o monge:

"Então, por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?"

Completou o sábio:

"Porque da mesma forma que ver a lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na Verdade já revelada pelo simples fato de ela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Dessa forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário".

O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a lua.

(Tam Hyuen Van)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O Amor é Como a Flor



Havia uma jovem que muito bem sucedida na vida: ela tinha um marido maravilhoso, filhos perfeitos, um emprego que lhe rendia um bom salário e uma família unida. O problema é que ela não conseguia conciliar tudo, porque o trabalho e os afazeres  ocupavam quase todo o seu tempo e ela estava sempre em débito em alguma área. Se o trabalho a consumia, então ela deixava de cuidar dos filhos; se surgiam imprevistos, ela deixava de lado o marido...

Assim, as pessoas que ela amava eram deixadas para depois até que um dia, seu pai, que era um homem muito sábio, foi visitá-la e levou um presente para ela: uma flor muito rara, da qual só havia um exemplar em todo o mundo. O pai entregou-lhe o vaso com a flor e disse: 

- Filha, esta flor vai ajudá-la muito mais do que imagina! Você terá apenas que regá-la e podá-la de vez em quando, e, às vezes, conversar um pouquinho com ela. Se assim fizer, ela enfeitará sua casa e lhe dará em troca esta beleza e este perfume maravilhoso. 

A jovem ficou muito emocionada, afinal a flor era de uma beleza sem igual.

Mas o tempo foi passando e o trabalho continuava consumindo todo o seu tempo, e a sua vida, que continuava confusa, não lhe permitia cuidar da flor. Ela chegava em casa, e as flores ainda estavam lá, não mostravam sinal de fraqueza ou morte, apenas estavam lá, lindas, perfumadas. Então ela passava direto.

Até que um dia, sem mais nem menos, a flor morreu. Ela chegou em casa e levou um susto! A planta, antes exuberante, estava completamente morta, suas raízes estavam ressecadas, suas flores murchas e as folhas amareladas. A jovem chorou muito, e contou ao pai o que havia acontecido. Seu pai então respondeu: 

- Eu já imaginava que isto aconteceria, e, infelizmente, não posso lhe dar outra flor, porque não existe outra igual a esta. Ela era única, assim como seus filhos, seu marido e sua família. Todos são bênçãos que o senhor lhe deu, mas você tem que aprender a regá-los, podá-los e dar atenção a eles, pois assim como a flor, os sentimentos também morrem. Você se acostumou a ver a flor sempre lá, sempre viçosa, sempre perfumada, e se esqueceu de cuidar dela. Nós precisamos cuidar daquilo que amamos! 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Amarre Seu Camelo

Um sábio mestre viajava com um de seus discípulos. Este, tinha como tarefa cuidar do camelo que os transportava. 

Porém, certa noite, o discípulo, muito cansado, fez uma prece pedindo a Deus que cuidasse do animal e adormeceu sem amarrá-lo. 

Ao amanhecer, o mestre perguntou-lhe sobre o paradeiro do camelo, que havia desaparecido. E o discípulo respondeu que havia delegado a guarda do animal a Deus, concluindo:

- Eu apenas segui suas orientações... Não devemos confiar em Deus?

E o mestre disse:

- Confie em Deus, mas amarre seu camelo. Deus não tem outras mãos além das suas.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Os Doze Pratos

Havia um príncipe chinês que se orgulhava da sua coleção de porcelana, de tão rara quão antiga procedência, constituída por doze pratos assinalados por grande beleza artística e decorativa.

Certo dia, o seu zelador, em momento infeliz, deixou que se quebrasse uma das peças. Tomando conhecimento do desastre e possuído pela fúria, o príncipe condenou à morte o dedicado servidor, que fora vítima de uma circunstância fortuita.

A notícia tomou conta do Império, e, às vésperas da execução do desafortunado servidor, apresentou-se um sábio bastante idoso, que se comprometeu devolver a ordem à coleção, se o servo fosse perdoado.

Emocionado, o príncipe reuniu sua corte e aceitou a oferenda do venerando ancião. Este solicitou que fossem colocados todos os pratos restantes sobre uma toalha de linho, bordada cuidadosamente, e os pedaços da preciosa porcelana fossem espalhados em volta do móvel.

Atendido na sua solicitação, o sábio acercou-se da mesa e, num gesto inesperado, puxou a toalha com as porcelanas preciosas, atirando-as bruscamente sobre o piso de mármore e arrebentando-as todas.

Ante o estupor que tomou conta do soberano e de sua corte, muito sereno, ele disse:

- Aí estão, senhor, todos iguais conforme prometi. Agora podeis mandar matar-me. Desde que essas porcelanas valem mais do que as vidas, e considerando-se que sou idoso e já vivi além do que deveria, sacrifico-me em benefício dos que irão morrer no futuro, quando cada uma dessas peças for quebrada. Assim, com a minha existência, pretendo salvar doze vidas, já que elas de nada valem diante desses objetos.

Passado o choque, o príncipe, comovido, libertou o velho e o servo, compreendendo que nada há mais precioso do que a vida em si mesma.

(Joanna de Angelis)

domingo, 24 de março de 2013

A Vida é um Espelho


Uma antiga lenda do Oriente conta que um jovem, certa vez, chegou a um pequeno povoado com disposição de estabelecer morada. Aproximou-se de um velho que apanhava água num oásis, à entrada do vilarejo, e perguntou:

- Por favor, diga-me: que tipo de pessoa vive neste lugar?

O velho, que era um dos sábios do lugar, respondeu:

- Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde vens?

- Oh, um grupo de egoístas e malvados - replicou o rapaz. - Estou muito satisfeito por haver saído de lá!

E o velho disse:

- A mesma coisa haverás de encontrar por aqui.

E o jovem foi embora, à procura de outro local onde não houvesse egoístas e malvados.

Mais tarde, outro homem acercou-se do oásis para beber água e, vendo o ancião, perguntou:

- Este lugar parece ser pacato. Que tipo de pessoa vive aqui?

E o velho respondeu com a mesma pergunta:

- Que tipo de pessoa vive no lugar de onde vens?

O viajante respondeu: 

- Ah, lá de onde venho mora um grupo de pessoas amigas, honestas, unidas e hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixá-las.

- O mesmo encontrarás por aqui - respondeu o ancião.

Um homem que havia escutado os dois diálogos perguntou ao velho: 

- Como é possível dar respostas tão diferentes à mesma pergunta? 

E o velho sábio respondeu:

- Cada um carrega no coração o meio em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares onde passou, lembrando-se apenas da face má das pessoas, não encontrará outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos, também os encontrará aqui, porque, na verdade, nossa atitude mental é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos manter o controle absoluto.

Portanto, tenha cuidado com a mente que critica. Veja o lado bom das pessoas. A vida é um espelho. Quanto mais olharmos o lado bom das coisas, mais coisas boas virão para nós. A sua atitude mental faz a diferença no ambiente.Troque seus pensamentos negativos por outros positivos, construtivos, amorosos. Pare de julgar. Faça a experiência e verá como o seu mundo vai mudar. 

terça-feira, 19 de março de 2013

As Flores Azuis

"A mais bela flor é aquela que desabrocha na diversidade."

(Provérbio chinês)

Este conto faz parte da tradição dos índios Comanches:

Dizem eles que, nos tempos perdidos de outrora, houve uma grande seca. As plantações morreram, os animais e os próprios índios começaram a morrer de sede e fome. Decidiram, então, cantar e dançar ao som dos seus tambores, num belo ritual que durou três dias, pedindo ao Grande Espírito da Chuva que salvasse sua gente.

Havia na tribo uma menina que se chamava Aquela-Que-Está-Só. Sentadinha, ela simplesmente observava o ritual, com sua boneca no colo, feita de palha. Sua boneca era uma boneca guerreira: os olhos, nariz e boca foram pintados com suco de raízes; colares de sementes a enfeitavam; um cinto de osso polido a amarrava; na cabeça, ostentava plumas azuis brilhantes.

Aquela-Que-Está-Só conversava com sua boneca:

"Agora, o feiticeiro irá até o cume da montanha, para escutar as palavras do Grande Espírito. Então, saberemos o que fazer para que voltem as chuvas, que darão vida à terra".

E a menina se lembrava da sua mãe, que ajudou-a a fazer sua boneca, e do seu pai, que havia trazido as penas azuis, e dos seus avós, que nunca conheceu. Seus pais morreram jovens e ela era cuidada por outros membros da tribo. A boneca guerreira foi a única que sobrou como lembrança deles.

Finalmente, quando o sol se punha no horizonte, o feiticeiro voltou e reuniu a tribo em círculo. Disse ele:

"Ouvi as palavras do Grande Espírito! Eles diz que as pessoas tornaram-se egoístas; tomam tudo da terra e nada dão em troca; deve haver sacrifício. Devemos queimar, em oferenda, o objeto mais valioso que pudermos encontrar e depois espalharmos as cinzas aos quatro ventos da terra. Depois de realizarmos este sacrifício, terminará a seca e a fome e a vida retornará à terra, renovando-a, para o bem de todos!"

O povo agradeceu e começou imediatamente a especular que objeto seria este a ser doado. Ninguém queria ofertar seus objetos de estimação, cada um com seus motivos.

Aquela-Que-Está-Só, ao ouvir a mensagem do Grande Espírito, disse à sua boneca:

"Tu és o objeto mais valioso que possuo. Estou certa de que o Grande Espírito vai te aceitar".

Assim, depois que todos dormiram, a menina foi até a fogueira, pegou um pedaço de madeira ainda ardente e seguiu silenciosamente, com sua boneca guerreira, até o cume da montanha onde o Grande Espírito falara ao feiticeiro. O céu estava pleno de estrelas. A menina falou:

"Ó Grande Espírito, aqui está minha boneca guerreira. Ela é tudo o que me resta da minha família que morreu. Por favor aceite este bem, o mais valioso que eu tenho".

Juntou alguns galhinhos secos e, com o pedaço de madeira em brasa, fez uma fogueira. Enquanto olhava o fogo crepitando, lembrou-se dos seus pais, dos seus avós, de todo o seu povo, seu sofrimento e sua fome. Lançou sua boneca no centro da fogueira, esperou que o fogo apagasse e as cinzas esfriassem para, em seguida, lançá-las aos quatro ventos: Norte, Sul, Leste e Oeste. Feito o ritual, Aquela-Que-Está-Só dormiu ali mesmo, até que os raios de sol da manhã a despertaram.

Foi aí que a menina viu o chão coberto de flores azuis, nos lugares onde jogou as cinzas. O azul era o mesmo das plumas da sua boneca. 

Toda a tribo correu até o local, para admirar a maravilhosa vista. E não houve dúvida de que as flores eram um sinal do Grande Espírito, que havia concedido o seu perdão. 

Enquanto todos começavam a cantar e dançar em agradecimento, uma fina chuva começou a cair do céu, transformando e vivificando o campo.

Desde esse dia, a menina ficou sendo conhecida como Aquela-Que-Ternamente-Amava-Seu-Povo. E, a cada primavera, o Grande Espírito lembra o sacrifício da criança e rega a terra daquela região, fazendo brotar de novo as belíssimas flores azuis.

sexta-feira, 8 de março de 2013

O Monge e o Boi


Conta a tradição budista que uma vez, em certo vilarejo, apareceu um monge, montado num boi. Os habitantes da vila perguntaram para onde ele estava indo e ele respondeu: “Estou em busca de um boi”. As pessoas se entreolharam, intrigadas, e em seguida começaram a rir do homem, que se foi.

No dia seguinte, o mesmo monge volta ao vilarejo, ainda montado no boi. Novamente as pessoas indagaram sobre o que ele buscava. "Procuro um boi", foi a resposta, que mais uma vez desencadeou o riso de todos. E o monge se foi.

No terceiro dia a mesma cena se repetiu. Só que ninguém achava mais graça na piada e decidiram inquirir o homem com mais veemência, dizendo: “O que você pensa que está fazendo? Você é um monge, supostamente um homem sábio, e todos os dias passa por aqui à procura de um boi quando você está sentado nele o tempo todo! O que significa isto?”

Calmamente, o monge explicou: “Apenas quero mostrar que também é assim a sua procura de Deus. Saímos em busca de algo que está conosco o tempo todo, sem que nos demos conta... Sempre pensamos que a nossa realização está noutro lugar e não aqui... e mergulhamos numa busca inútil quando, se olhássemos com um pouco mais de atenção, boa vontade e lucidez para aquilo que já temos, descobriríamos que o ‘boi’ que tanto procurávamos estava nos carregando todo o tempo”...

segunda-feira, 4 de março de 2013

Julgar Pelas Aparências


Num certo orfanato, igual a tantos outros, vivia uma pobre órfã de apenas oito anos de idade. Por ser uma criança sem muitos encantos, era hostilizada pelas outras e até pelos professores, o que tornava-a cada vez mais triste e isolada, sem ninguém para brincar com ela, ninguém para conversar, sem carinho e sem afeto. 
O diretor do orfanato, que procurava uma oportunidade para livrar-se dela, achou que havia encontrado o momento quando a companheira de quarto da menina informou-o de que a criança estava mantendo correspondência com alguém de fora do orfanato, violando, assim, uma das normas da instituição.

- Agora mesmo - disse a informante -, ela escondeu um papel numa árvore.

O diretor e seu assistente decidiram tirar a situação a limpo na mesma hora, correndo ao local da árvore. De fato, lá estava um papel delicadamente colocado entre os ramos. Ansiosamente, o diretor desdobrou o papel, esperando encontrar ali a prova de que necessitava para livrar-se daquela criança tão desagradável aos seus olhos.

No entanto, para sua surpresa e remorso, encontrou a seguinte mensagem no pedacinho de papel um tanto amassado:

"A qualquer pessoa que encontrar este papel: eu gosto de você!"

Os dois homens, com uma dor na consciência, perceberam, naquele momento, que a menina da qual queriam se livrar possuía uma bondade tão grande na alma, a ponto de externar sentimentos positivos mesmo numa situação de total isolamento e solidão! Isto fez com que percebessem o quanto eles próprios eram cruéis e insensíveis.

Assim fazemos todos os dias, sem nem percebermos! Julgando as pessoas pelas aparências, mesmo sabendo como são enganadoras.

Uma antiga e sábia oração dos índios Siuox roga a Deus o auxílio para nunca julgar o próximo antes de ter andado sete dias com as suas sandálias. Isto significa que, antes de criticar, julgar e condenar uma pessoa, devemos nos colocar no seu lugar e entender os seus sentimentos mais profundos. 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Sinfonia Interna


Jade acordou repentinamente, no meio da noite, inquieta. Olhou pela janela e viu que as estrelas brilhavam no céu e refletiam-se na água do rio. No ar havia uma música que não parecia terrena... essa música penetrava o coração e enlevava a alma.
Instintivamente, saiu correndo do seu palácio, à procura da origem da música celestial. 
O som levou-a à margem do rio. Lá, ela encontrou um velho barqueiro a dormir e pediu:
- Por favor, ajude-me a cruzar o rio.
- Mas a esta hora da noite? Não é conveniente colocar o bote na água...
Mas Jade implorou e implorou, até que o barqueiro perguntou:
- E o que eu receberia em troca desse serviço?
Rapidamente, Jade retirou do pescoço um valioso colar e entregou-o ao homem. Ele contemplou o belo colar com indiferença e argumentou:
- O que eu poderia fazer com este colar? Sou pobre... Se minha esposa usá-lo, os vizinhos terão inveja ou pensarão que foi roubado... Acho que não quero o seu colar.
Desesperada para ir ao encontro da melodia que parecia aproximar-se, Jade prometeu mais riquezas ao barqueiro, até o seu próprio palácio, mas o homem respondeu que não teria como manter um palácio...
A música estava cada vez mais próxima, e Jade não tinha outro desejo senão encontrá-la. Nada mais importava para ela, que parecia hipnotizada até que, dando vazão ao anseio da sua alma, ela entrou em êxtase e começou a dançar. Seus pés mal tocavam a relva... sentia-se flutuando, esquecida de si mesma, do barqueiro, e de tudo o mais ao redor. A melodia era algo divino... e começou a brotar dos seus lábios... Ela mesma era a fonte da música. As notas encantadas que vinham do outro lado do rio eram simplesmente o eco de si mesma.
E o barqueiro, que na verdade era um sábio mestre, disse:

"Não adianta procurar fora aquilo que está dentro. Só entraremos em união com nossa música interna quando todos os desejos mundanos desaparecerem e só restar o desejo intenso de encontrar a alma, a origem da eterna melodia."

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Cegos Para a Amplidão


"O alcance do que pensamos e fazemos
é limitado pelo que deixamos de notar.
E por deixarmos de notar 
que deixamos de notar
pouco podemos fazer para mudar,
até que notemos
como o deixar de notar
forma nossos pensamentos e ações."

(R. D. Laing)


‎Um grupo de discípulos perguntou, certa vez, ao seu mestre Zen: 

- De onde vem o lado negativo da nossa mente?

O professor se retirou um momento e depois voltou com um grande lenço branco onde se via, no centro, um pequeno ponto preto.

- O que vocês vêem neste quadro? - perguntou o professor.

Os discípulos responderam: 

- Um pequeno ponto preto.

O mestre explicou: 

- Essa é a origem da mente negativa. Nenhum de vocês vê a imensidão que os rodeia.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

O Segredo da Felicidade


O aspirante perguntou ao mestre:

- Ensina-me, Mestre, por favor, o segredo da felicidade.

O sábio mestre respondeu:

- São sete as chaves que vou lhe ensinar: a primeira coisa que você deve fazer é amar-se e respeitar-se e dizer a si mesmo todos os dias que você pode vencer todos os obstáculos que se apresentarem na sua vida - isto se chama autoestima; a segunda chave é pôr em prática o que você diz e o que pensa - isto se chama ser verdadeiro consigo mesmo; a terceira é jamais invejar alguém pelo que ele tem ou é - eles já alcançaram as suas metas, agora alcance as suas; a quarta é jamais guardar rancor de ninguém no seu coração; a quinta é não se apoderar do que não é seu; a sexta é jamais maltratar alguém - todos os seres têm o direito de ser respeitados e queridos. E a última coisa que você deve fazer é acordar todos os dias com um sorriso e descobrir em todas as pessoas e em todas as coisas o seu lado positivo. Pense na sorte que você tem. Ajude a todos sem pensar no que poderá obter em troca e passe adiante o segredo da felicidade.

(Contos da Índia)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Amantes da Música


Num antigo país do oriente, havia um rei que era amante da música e costumava oferecer grandes saraus na sua corte, quando dava oportunidade aos músicos do reino de se apresentar e ganhar notoriedade. Um desses músicos, no entanto, sempre recusava o convite do rei. E era considerado o melhor músico das redondezas! Daí, o rei foi pessoalmente convidá-lo para tocar em seu palácio. E recebeu do artista a estranha resposta: 

- Aceito o convite de Vossa Majestade com uma condição: que seja avisado a todos que ninguém poderá mover a cabeça enquanto eu estiver tocando e cantando. Caso alguém o faça, deverá ser decapitado.

O soberano aceitou e enviou os convites, com a ressalva:

- Lembrem-se que é um jogo perigoso. Meus soldados estarão atrás de cada convidado, empunhando espadas, prontos para decapitar o primeiro que mexer a cabeça.

Dentre os dez mil apreciadores da música e frequentadores da corte, o rei conseguiu que cinquenta comparecessem. Todos tinham consciência do enorme risco... Podia-se mexer a cabeça por causa de um mosquito ou esquecer-se do aviso, pois o músico era muito especial... 

O músico começou o recital. Era um virtuose. Sua música era simplesmente arrebatadora e bastaram quinze minutos de apresentação para que as pessoas se esquecessem do perigo... assim, algumas cabeças começaram a se mexer. Outras foram se juntando a elas e de repente, todas as cabeças se mexiam. O monarca ficou preocupado, porque havia prometido cortar a cabeça de quem se mexesse...

Finalmente, concluído o primeiro número, o rei perguntou:

- Mando cortar as cabeças? Como rei, não posso falhar com a minha palavra!

O músico deu uma grande gargalhada e respondeu:

- Eu impus essa condição porque queria atrair apenas os verdadeiros amantes da música. Por favor, peça a seus soldados que se retirem. Agora que todas as cabeças se mexeram, continuarei a tocar. Este é o público que esperei durante toda a minha vida. Estas são as pessoas que se esqueceram de si mesmas; que se esqueceram inclusive do risco que corriam.

Este deveria ser o propósito da verdadeira arte: arrebatar a nossa mente até o abandono de si mesma. É quando sentimos a força do eterno presente. 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O Monge e a Prostituta

Vivia um monge nas proximidades do templo de Shiva. Na casa em frente, morava uma prostituta. Observando a quantidade de homens que a visitavam, o monge resolveu chamá-la.
- Você é uma grande pecadora. - repreendeu-a. - Desrespeita a Deus todos os dias e todas as noites. Será que você não consegue parar e refletir sobre a sua vida depois da morte?

A pobre mulher ficou muito abalada com as palavras do monge; com sincero arrependimento orou a Deus, implorando perdão. Pediu também que o Todo-Poderoso a fizesse encontrar uma nova maneira de ganhar o seu sustento. Mas não encontrou nenhum trabalho diferente. E, após uma semana passando fome, voltou a prostituir-se. Mas, cada vez que entregava seu corpo a um estranho, rezava e pedia perdão.

O monge, irritado porque seu conselho não produzira nenhum efeito, pensou consigo mesmo: "A partir de agora vou contar quantos homens entram naquela casa até o dia da morte desta pecadora."

E desde esse dia, ele não fazia outra coisa a não ser vigiar a rotina da prostituta: a cada homem que entrava, colocava uma pedra num monte. Passado algum tempo, o monge tornou a chamar a prostituta e lhe disse:

- Vê este monte? Cada pedra dessas representa um dos pecados mortais que você cometeu, mesmo depois de minhas advertências. Agora torno a dizer: cuidado com as más ações!

A mulher começou a tremer, percebendo como se avolumavam seus pecados. Voltando para casa, derramou lágrimas de sincero arrependimento, orando:

- Oh, senhor! Quando vossa misericórdia irá me livrar desta miserável vida que levo?

Sua prece foi ouvida. Naquele mesmo dia, o anjo da morte passou por sua casa e a levou. Por vontade de Deus, o anjo atravessou a rua e também carregou o monge consigo. A alma da prostituta subiu imediatamente ao céu, enquanto os demônios levaram o monge ao inferno. Ao cruzarem no meio do caminho, o monge viu o que estava acontecendo, e clamou:

- Oh, senhor! Essa é a tua justiça? Eu, que passei a minha vida em devoção e pobreza, agora sou levado ao inferno, enquanto essa prostituta, que viveu em constante pecado, está subindo ao céu!

Ouvindo isso, um dos anjos respondeu:

- São sempre justos os desígnios de Deus. Você achava que o amor de Deus se resumia a julgar o comportamento do próximo. Enquanto você enchia seu coração com a impureza do pecado alheio, esta mulher orava fervorosamente dia e noite. A alma dela ficou tão leve depois de chorar que podemos levá-la até o paraíso. A sua alma ficou tão carregada de pedras que não conseguimos fazê-la subir até o alto.

(Paulo Coelho) 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Apenas um Reino


Um velho ermitão foi certa vez convidado para ir até a corte do rei mais poderoso daquela época.
– Eu invejo um homem santo que se contenta com tão pouco – disse o rei.
– Eu invejo Vossa Majestade, que se contenta com menos que eu – respondeu o ermitão.
– Como me diz isto, se todo este país me pertence? – disse o rei, ofendido.
– Justamente – falou o velho ermitão. – Eu tenho a música das esferas celestes, tenho os rios e as montanhas do mundo inteiro, tenho a lua e o sol, porque tenho Deus na minha alma. Vossa Majestade, porém, tem apenas este reino.

(Do livro Maktub, de Paulo Coelho)

domingo, 27 de janeiro de 2013

O Problema


Conta a lenda que num monastério budista localizado  numa encosta quase inacessível dos Himalayas, um belo dia o monge guardião amanheceu sem vida..

Após os rituais próprios, começaram as especulações sobre quem seria o próximo Guardião. O Monge Superior convocou a todos para escolher aquele que substituiria o Guardião colocando, com muita tranquilidade e calma, em cima de uma mesa localizada no centro da enorme sala onde estavam reunidos, um magnífico jarro de porcelana com uma belíssima rosa amarela, de extraordinária beleza, dentro dele. E disse:

- Temos aqui um problema. Assumirá o posto de Honorável Guardião do nosso monastério o primeiro monge que possa solucioná-lo.

Todos se entreolharam, surpresos, admirando aquela cena: um jarro de grande valor e beleza, servindo de suporte para uma maravilhosa flor. Um grande silêncio encheu a sala. Aturdidos pelo inesperado, os monges se interrogavam internamente… O que poderia significar aquele jarro com a flor? O que fazer com ele? Qual poderia ser o enigma encerrado em tão delicada beleza? Simbolizaria acaso as tentações do mundo? Poderia ser algo simples como colocar água na flor? As perguntas eram muitas e eles não conseguiam interpretar o enigma.

Subitamente, um dos monges puxou uma espada, fixou o olhar no Monge Superior e nos seus companheiros, dirigiu-se ao centro da sala e... zaz!!  Destruiu tudo num só golpe. Tão logo quebrou o vaso e voltou ao seu lugar, ouviu as palavras do Monge Superior:

– Alguém atreveu-se não somente a dar solução ao problema, como também a eliminá-lo. Honremos o nosso novo Guardião do Monastério.

Os problemas precisam ser eliminados, para que nossas mentes se libertem. Muitas pessoas carregam durante toda uma vida o peso de problemas imaginários ou de experiências e vivências do passado que continuam influenciando o presente, tornando-se um problema. É preciso coragem para romper velhos padrões, substituir velhos pensamentos e sentimentos, mas só assim poderemos criar o NOVO e nos RECRIARMOS. Ao nos recriarmos, estamos recriando a vida.

Um antigo provérbio chinês diz:

"Para que tu possas tomar vinho em um copo que se encontra cheio de chá, é necessário primeiro jogar fora o chá; então, poderás servir e beber o vinho."

“Limpa tua vida, começa pelas gavetas, armários, até chegar às pessoas do passado que não têm mais sentido em seguir ocupando espaço na tua mente.”

Em suma: quebra teu vaso numa atitude corajosa, num golpe certeiro, e verás um novo dia florescer, palpitante de vida.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Os Sons do Silêncio


Um rei mandou seu filho estudar no templo de um sábio mestre com o objetivo de prepará-lo para ser um grande líder. Quando o príncipe chegou ao templo, o mestre o mandou sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, e descrever todos os sons da floresta.

Quando o príncipe retornou ao templo, após um ano, o mestre lhe pediu para descrever todos os sons que conseguira ouvir. Então disse o príncipe: "Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas, o barulho do vento cortando os céus..." E ao terminar o seu relato, o mestre pediu que o príncipe retornasse à floresta para ouvir tudo o mais que fosse possível.

Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu a ordem do mestre, pensando: "Não entendo, eu já distingui todos os sons da floresta..."

Por dias e noites ficou sozinho ouvindo, ouvindo, ouvindo... mas não conseguia distinguir nada além daquilo que já havia relatado ao mestre. Porém, certa manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes. E, quanto mais prestava atenção, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. Pensou: - "Esses devem ser os sons que o mestre queria que eu ouvisse..." E sem pressa, ficou ali ouvindo e ouvindo, pacientemente. Queria ter certeza de que estava no caminho certo.

Quando retornou ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais conseguira ouvir. Paciente e respeitosamente, o príncipe falou: "Mestre, quando prestei atenção pude ouvir o inaudível som das flores se abrindo, o som do sol nascendo e aquecendo a terra e o da grama bebendo o orvalho da noite...

Sorrindo, o mestre acenou com a cabeça em sinal de aprovação, e disse: 

"Ouvir o inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma pessoa importante. Apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, seus medos não confessados e suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança ao seu redor; entender o que está errado e atender às reais necessidades de cada um”. E acrescentou: 

"A morte de uma relação começa quando as pessoas ouvem apenas as palavras pronunciadas pela boca, sem se atentarem no que vai no interior das pessoas para ouvir os seus sentimentos, desejos e opiniões reais. É preciso, portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o lado não mensurado,mas que tem o seu valor, pois é o lado mais importante do ser humano..."