"Em todo adulto espreita uma criança - uma criança eterna, algo que está sempre vindo a ser, que nunca está completo, e que solicita atenção e educação incessantes. Essa é a parte da personalidade humana que quer desenvolver-se e tornar-se completa." (Carl Gustav Jung)
Este é um conto japonês que fala da reconquista da alegria, da pureza, da alma infantil. A verruga simboliza tudo aquilo que perdemos com a vida adulta: a leveza, a inocência, o espírito lúdico, etc. Ao encontrar os gnomos, o homem reencontrou sua criança interior, fazendo-o esquecer seus medos, suas reservas, sua feiúra. Entregando-se à dança e brincando com alegria, ele liberou seus aspectos feios, que desprenderam-se dele e o reintegraram à sua essência. Isto é reencontrar a criança interna: deixar, nem que seja por alguns momentos, sempre que possível, que o corpo fale, livre de condicionamentos e de medos. Este exercício precisar ser adotado para resgatarmos nossas almas.
Em tempos que já vão longe, num vilarejo que já não existe, morava um velhinho com sua mulher,
perto de uma floresta. Na juventude ele fora um belo rapaz, mas à medida que
envelhecia, uma verruga foi crescendo no seu rosto, deixando-o um velho cada
vez mais feio. Chateado e envergonhado da sua nova aparência, ele recorreu a médicos
e magos e experimentou pós e poções de todo tipo, mas nada adiantou. Ele então
resignou‑se e passou a viver mais isolado, para que não rissem dele.
Um dia, ao
procurar lenha para o fogo na floresta, caiu uma tempestade, obrigando-o a
procurar abrigo numa árvore oca. Trovões sacudiam as montanhas e raios
cintilavam ao seu redor; ele, porém, estava seco e seguro. Depois de algum
tempo, a tempestade amainou e ele escutou vozes à distância. Pensou que seus
vizinhos tinham vindo à sua procura, mas quase desmaiou de susto ao ver um
grupo de gnomos se aproximando!
Ele nunca havia
visto um gnomo e ficou tremendo de medo, escondido dentro da árvore. Os gnomos chegaram
e um deles – que parecia ser o chefe ‑ dirigiu‑se aos outros, dizendo com um
gesto: “Vamos dar uma festa aqui”. E acomodou‑se de costas para o velho, na
frente da árvore oca.
Imóvel e
silencioso, o velho viu os gnomos organizarem rapidamente um piquenique, todos
cantando. Em seguida, ao som de uma música irresistivelmente animada, começaram
a dançar, e ele mal pôde conter o riso: eram desajeitados e deselegantes, dando
coices para todo lado e caindo. Foi então que o chefe ordenou que parassem: “Vocês
são ruins demais”, disse, lastimando-se. “Não existe ninguém aqui que saiba
dançar bem?”
“Eu bem que
poderia ensinar-lhes alguns passos”, pensou o velho, que sabia dançar muito bem,
embora há tempo não dançasse. O gnomo-chefe tornou a perguntar se alguém sabia
dançar e o velho começou a ficar dividido entre o amor pela dança e o medo dos
gnomos. O chefe repetiu a pergunta uma terceira vez e aí o velho não
resistiu; mandou seus receios às favas, saiu da árvore e curvou‑se perante o
chefe dos gnomos, dizendo: “Eu sei dançar, meu senhor”, e fez uma demonstração.
No início, os gnomos
ficaram escandalizados, sem querer aceitar um humano como professor. No
entanto, a arte do velho os cativou rapidamente, deixando-os realmente
admirados. Começaram a marcar o ritmo, acompanhando a música, enquanto outros,
contagiados com a bela dança, juntaram-se ao velho. Este, por sua vez, pôs toda
sua alma e todo seu coração na dança; esqueceu o medo e entregou-se à música e aos
movimentos, divertindo-se entre os gnomos como se fosse um deles. Quando parou,
o gnomo-chefe o aplaudiu e convidou‑o a sentar-se ao seu lado, oferecendo‑lhe
um copo de vinho. “Você precisa voltar amanhã para dançar de novo para nós”, disse.
“Gostaria muito de vir”, respondeu o velho. Porém, um dos conselheiros pediu a
palavra e lembrou: “Não se pode confiar nos homens. Precisamos ficar com algo
que nos dê certeza de que ele vai voltar”.

Vendo que o
velho nada trazia de valor consigo, o chefe decidiu assim: “Bem, já que não
trazes nada que possas deixar conosco, vou ficar com isto como penhor!” E,
estendendo a mão, agarrou a verruga do velho e arrancou-a com a facilidade de
quem arranca uma fruta madura do pé. “Trate de voltar amanhã!”, ordenou, e
todos os gnomos desapareceram.
O velho mal
podia acreditar no que acontecera. Passou a mão pelo rosto e percebeu que
estava liso, o seu rosto antigo sem a verruga horrenda! Ficou tão feliz, que
foi para casa pulando, cantando e dançando durante todo o trajeto. A esposa, ao
vê‑lo livre da verruga, mostrou‑se eufórica e ambos celebraram sua boa sorte.
Ocorre que o velho
tinha um vizinho malvado e vaidoso que também tinha uma verruga e que nunca se
cansara de procurar um tratamento para ela. Quando soube da celebração, foi
espiar e ficou perplexo ao ver que a verruga do outro havia sumido. Ao saber da
história, armou um plano e correu para encontrar os gnomos no dia seguinte,
passando-se pelo seu vizinho.
“Onde está o
velho que ia dançar para nós?” perguntou o chefe dos gnomos, ao chegar. O velho
invejoso rastejou para fora da árvore e começou a dançar. Como nunca havia
aprendido a dançar, porque considerava a dança uma atividade sem interesse, ele
apenas pulava de um lado para outro, agitando os braços. “Mas que coisa
horrível!”, exclamou o gnomo! “Você não está dançando como ontem!” (Para os
gnomos todos os humanos são iguais, por isso eles não notaram a diferença entre
os dois velhos). “Não dá para aguentar!”. Dizendo isto, o chefe vasculhou o
bolso e encontrou a verruga. Atirou-a no rosto do invejoso, gritando: “Devolvo‑lhe
o penhor!”.
A verruga grudou
no rosto do homem, ao mesmo tempo em que os gnomos desapareceram.
Em pânico, o
homem vaidoso apalpou o rosto e constatou que agora tinha duas verrugas, uma em
cada face! Voltou arrasado para casa e, daquele dia em diante, ninguém mais viu
sua cara, porque ele passou a usar um chapéu de abas bem largas, enfiado na
cabeça.
Quanto ao velho
que perdeu sua verruga, ele viveu ainda muito tempo e dançava quando se sentia
feliz (o que, na verdade, acontecia quase sempre!).